Como explicar para o filho que alguém “ejacula” em uma mulher no ônibus
Para Nícolas, meu filho mais velho, de 10 anos, o ônibus sempre foi um adianto na rotina escolar. Estudando próximo à estação Marechal Deodoro do metrô e morando perto do Sesc Pompeia, o moleque sempre vê a Francisco Matarazzo entupida de carros imóveis enquanto, no corredor, as diversas linhas da Lapa para o centro (dificilmente ficamos mais do que um minuto no ponto) imprimem ótima velocidade como se deslizassem por encostas norueguesas nevadas. A conta é simples, ele sabe: se fosse de carro, teria que acordar pelo menos meia hora mais cedo.
No trecho a pé até a escola há uma banca de jornal onde costumamos ler algumas manchetes. Hora boa de aprender novas palavras como, por exemplo, "ejaculou". Na primeira página, dia desses, havia uma chamada para o caso do rapaz que tem o hábito de atacar passageiras. Vi pela cara do Nico que "ejaculou" ainda não fazia parte de seu vocabulário.
Bom, vamos lá, então, tentar explicar. Retomei conversas que já tivemos sobre reprodução humana, engatei um papo na linha do De onde vêm os bebês, divaguei sobre o prazer de namorar e estar perto de quem a gente gosta. OK. Mas o que tudo isso tem a ver com o cara abrir a calça dentro do ônibus e sujar com um líquido branco (que sai pelo mesmo lugar que sai o xixi) alguém que ele nunca viu na vida? Hum… Aí é difícil explicar.
Mais difícil ainda é explicar que isso, pela lei, nem é algo, digamos, tão absurdo, pois esse mesmo cara passa na delegacia, assina uns papeis e depois vai para casa como se voltasse da padaria, sem problema. Pelo bom senso e pela lógica infantil (que não consideram muito o código penal, nem o que dizem os magistrados na área) essa história parece estanha demais, dá nojo, medo.
Para retomarmos a caminhada, e a vida seguir numa boa após o susto da palavra nova na capa do jornal, trago referências mais positivas de como pode ser saudável o contato e a relação com as pessoas que vamos cruzando nas roletas da vida. Conto para o Nico que, no começo, quando fazia atletismo no Centro Olímpico, na avenida Ibirapuera, minha mãe me buscava de carro. Com o tempo, e a amizade dos atletas, que moravam bem distantes do meu Brooklin, tomei coragem para começar a voltar sozinho com o 5154. Percebendo que a rua não era um bicho papão, me joguei também no metrô, lugar onde as pessoas se olhavam muito mais, afinal, com bancos de frente um para o outro, existe a chance de olhares se cruzarem e sorrisos brotarem… (hoje, esquece – até o Nico já percebeu que fica todo mundo com a cara afundada no celular, tentando achar na mensagem ou no aplicativo quem está sentado ao seu lado).
Quando estava quase confessando que realmente já conheci pessoas, digamos, bem interessantes no transporte público…, chega a hora de resumir o discurso e deixar uma mensagem clara pro moleque antes de entrar para a escola. Respeito é tudo nessa vida, meu filho. Respeite sempre, qualquer um. E fica esperto no busão. Boa aula, meu amor.
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