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Décio Galina

A dor da derrota é tão passageira quanto o êxtase da vitória, meu filho

Décio Galina

02/10/2017 08h00

 

 

Não há como se preparar para as questões, as situações e os medos trazidos por um filho. Arrisco dizer que essa é uma das maravilhas da paternidade: você sempre está suscetível a cair em uma sinuca de bico de uma hora para outra, sem poder se preparar da forma mais adequada.

Perdoem-me os teóricos que adoram dividir a vida dos pimpolhos em "fases" (talvez isso facilite a venda de livros para pais inseguros…), mas o fato é que, quando você percebe uma "fase", você já está atolado no meio dela, e muito provavelmente já indo para a próxima (que não dá pra saber se começa no dia seguinte ou no mês que vem).

Toco nesse ponto, pois, sem aviso prévio, me deparei com a dor e o desespero do Nícolas, de 10 anos, meu moleque mais velho, frente à derrota em uma olímpiada escolar anual. Aconteceu de forma mais "grave" na edição do ano passado. Nunca achei o Nico muito competitivo, imaginei que encarava o esporte mais como uma recreação (fez natação até uns anos atrás e atualmente treina futebol uma vez por semana na escola), então, pensei que o aspecto festivo de uma olimpíada (disputada entre quatro grandes equipes formadas com alunos de diversos anos do ensino fundamental) fosse preponderante frente à cor da medalha que se recebe.

Por isso, saindo da escola, caminhando até o ponto de ônibus, na dúvida entre tomar ou não um suco de laranja na esquina, me assusto com um repentino ataque de choro (e olha que ele não é de chorar muito…), acompanhado por uma reação física de raiva, de inconformidade. Putz, e agora? Como acalmar o menino? Tirar a importância de um evento que ocupa duas semanas do calendário escolar? Não. Dizer que um ano passa em um piscar de olhos, logo começaria a próxima olimpíada – e correr o risco de ele perder de novo no ano seguinte? Também não. Então, optei pela questão temporal do sentimento de fracasso – e também do sentimento de alegria, de vitória. Pedi para ele ficar atento no amargor da derrota, em como é realmente chato esse sentimento, mas ponderei que esse negócio que ele estava sentindo não era eterno. Pelo contrário: era tão efêmero como os momentos de extrema felicidade que adoraríamos que fossem para sempre.

Percebi que a ideia colou, então, aproveitei para engatar um papo de consciência do momento, de valorizar o que se passa agora, e não perder muito tempo desenhando o futuro, ou lamentando o passado. Viver o hoje e pronto. Aí, foi hora de um longo abraço no meio da calçada – até para eu poder chorar um pouquinho também sem dar tanto na cara (afinal, óbvio que foi uma pancada ver o menino sofrendo…).

Quinta passada mais uma final de olimpíada. A escola convida os pais a acompanharem a divulgação dos resultados e a entrega das medalhas. Esse ano o Nico já sabia que sua equipe não estava muito bem ranqueada desde o início. E veio a confirmação: último lugar de novo. Dessa vez, o drama foi menor. Deu até para ir comer uma esfiha na esquina com uma turma de uns 20 alunos. Achei que lamentar maus resultados já eram águas passadas. Quase…

Conforme fomos chegando em casa, vi que seu humor se alterou, e uma chateação começou a ganhar espaço. "Eu não tenho sorte, pai…". Opa! Aí estava fácil de derrubar. Como assim não tem sorte? Pra começo de história você deu uma sorte danada de nascer branco em um país racista como o nosso. Depois tem essa coisa que você talvez nem perceba graças à sua rotina de classe média que é comer pelo menos quatro vezes ao dia em um planeta que muita gente morre de fome… "Ah, mas eu sempre perco… Nunca vou ganhar…" Novo corte. Pode parar, filhão. Não tem essa. O pior discurso é o derrotista, que acha que sempre vai perder, que não tem jeito. O fato de perder 300 vezes não significa que perderá a próxima. Olha aí o Timão que, no século passado, ficou 23 anos na fila de um título e, nesse século, é o time mais vitorioso do Brasil – tem até Mundial, coisa que muito time por aí não tem…

Aproveitei um sorriso tímido que escapou para dar outro abraço e parabenizar pela participação, pelo empenho e pela competitividade. Está tudo certo, meu filho. Siga firme nos estudos, nos treinos, procure se aprimorar no que gosta. O bacana da vida é não saber exatamente quando a gente vai levantar uma taça.

Sobre o autor

Paulistano de 1973, Décio Galina fez jornalismo na Cásper Líbero no início dos anos 1990 – os computadores chegavam à faculdade na época em que ele suava para passar nos testes do curso de datilografia do Senac. Trabalhou com Caco Barcellos na pesquisa do livro “Rota 66”. Passou alguns meses na “Gazeta Esportiva” antes de ficar cinco anos de fortes emoções na editoria Geral do jornal “Notícias Populares” – foi de repórter policial a editor. Deixou a vida do crime na periferia e começou a editar a revista “Daslu”, na Trip Editora. Ficou na Trip de 2001 a 2017: 16 anos produzindo conteúdo para marcas como Itaú Personnalité, Mitsubishi, Pão de Açúcar, Natura, Gol Linhas Aéreas, entre outros. Já viajou bastante, dentro e fora do país, o suficiente para saber que o Brasil é seu lugar predileto.

Sobre o Blog

Como curtir a vida com dois filhos moleques (2 e 10 anos), viagens dentro e fora do Brasil e os caminhos de Bilhete Único em São Paulo -- já que o autor sabe dirigir revista, mas não dirige carros...

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