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Décio Galina

Como alguém pode acreditar que uma pistola faça bem à sociedade?

Universa

21/10/2017 16h53

"Cuidem de seus filhos." A recomendação é do publicitário Luciano Marcatti Calembo, dada hoje de manhã, em Goiânia, ao enterrar o filho, João Pedro, de 13 anos, morto a tiros ontem, na sala de 8º ano do Colégio Goyases.

Talvez não exista momento mais duro para um ser humano do que enterrar um filho. Ele foi assassinado pelo colega de classe, que usou uma pistola .40 do pai policial militar para abrir fogo no intervalo entre duas aulas e fuzilar também o aluno João Vitor Gomes. Outros quatro jovens foram alvejados e hospitalizados. O rapaz que efetuou os disparos era alvo de amolações dos colegas, ou bullying, como se convencionou chamar de uns tempos para cá, como se precisássemos de um termo em inglês para traduzir os estorvos e as chateações que todos nós passamos na escola.

Após uma tragédia desse calibre, as palavras de Luciano trazem à tona um tema que ronda o pensamento de muitos pais e sempre rende conversas: o quanto realmente sou próximo do meu filho e qual a espessura do filtro que ele usa ao falar da rotina escolar e das aflições que alvejam sem trégua uma cabecinha atordoada por novidades diárias e um corpo que, de repente, vai tomando outras formas.

Quantas vezes não ouvimos um eloquente "foi tudo bem…" ao perguntarmos detalhes das cinco horas desfrutadas na escola. Ao dizer "cuidem de seus filhos", Luciano reforça o que talvez seja a coisa mais maravilhosa da paternidade/maternidade que é realmente acompanhar o desenvolvimento dos filhos: saber o que eles estão pensando, como sacam o mundo ao redor, o que os faz felizes, quais são as crises mais agudas – mesmo que o início do papo sempre passe por um "foi tudo bem…".

Tal acompanhamento, acredito, cria uma intimidade capaz de abrir porteiras mais difíceis de manejar na cabeça dos moleques. Outra reflexão que uma barbaridade dessa causa é o perigo iminente da presença de armas nos lares. Nesse caso, a pistola é objeto de trabalho do pai policial, mas isso não impede o pensamento óbvio de que, se a criança não tivesse acesso a uma máquina de matar, talvez segunda-feira, depois de amanhã, fosse mais um começo de semana normal no Colégio Goyases.

Se não houvesse uma arma de fogo em jogo, a desavença poderia terminar com uma tachinha para cima ou um chiclete colado na cadeira do amigo inconveniente. É extremamente chocante e amedrontador vivermos em um país onde candidato à presidência da república defende o uso civil de armas. Como alguém pode acreditar que uma pistola faça bem à sociedade? Como?

Sobre o autor

Paulistano de 1973, Décio Galina fez jornalismo na Cásper Líbero no início dos anos 1990 – os computadores chegavam à faculdade na época em que ele suava para passar nos testes do curso de datilografia do Senac. Trabalhou com Caco Barcellos na pesquisa do livro “Rota 66”. Passou alguns meses na “Gazeta Esportiva” antes de ficar cinco anos de fortes emoções na editoria Geral do jornal “Notícias Populares” – foi de repórter policial a editor. Deixou a vida do crime na periferia e começou a editar a revista “Daslu”, na Trip Editora. Ficou na Trip de 2001 a 2017: 16 anos produzindo conteúdo para marcas como Itaú Personnalité, Mitsubishi, Pão de Açúcar, Natura, Gol Linhas Aéreas, entre outros. Já viajou bastante, dentro e fora do país, o suficiente para saber que o Brasil é seu lugar predileto.

Sobre o Blog

Como curtir a vida com dois filhos moleques (2 e 10 anos), viagens dentro e fora do Brasil e os caminhos de Bilhete Único em São Paulo -- já que o autor sabe dirigir revista, mas não dirige carros...

Décio Galina