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Décio Galina

Sofri com o inesperado: levei bronca do meu pai por causa do blog

Décio Galina

03/11/2017 14h50

Décio e o pai, Luiz, no almoço de família em que o colunista levou uma bronca inesperada por causa de um texto do blog (Foto: Arquivo Pessoal)

 

Mal comecei a escrever esses textos semanais para o UOL e já me deparei com uma questão familiar que não esperava. Ao definir que os temas principais do blog seriam "paternidade, viagem e bilhete único", pensei que as questões e histórias relatadas trouxessem sempre a rotina com minha dupla de moleques Nícolas, de 10 anos, e Felipe, de 3. Talvez por ficar completamente focado nas demandas e nas dúvidas que a paternidade traz toda hora, às vezes a gente esquece óbvio: a nossa condição de filho. E foi em um almoço de família, bem festivo, que meu pai me chamou de canto, ainda com uma bexiga amarrada na cabeça (assim como eu) e me deu, digamos, uma bronca por causa de uma frase publicada nesse espaço.

O texto subiu há cerca de um mês, quando escrevi sobre como lidar com a tristeza do Nico diante à derrota esportiva na escola. No meio da conversa, ele citou que "não tem sorte" e eu rebati com alguns argumentos, um deles lembrando a "sorte que ele tem de nascer branco em um país racista como o nosso". Só de reescrever a frase noto o quanto ela é infeliz, mas no contexto e no tom com que ela foi colocada, de fato, não carregava o preconceito que transmite recortada. Mesmo assim, depois que fechei o artigo, telefonei para meu amigo desde os tempos de "Notícias Populares" (fim dos anos de 1990) Djalma Campos, jornalista negro e ativista em questões raciais para perguntar a ele o que achava sobre a frase.

Só por ter demorado um pouco para formular a resposta, percebi que cutucava um vespeiro. Em seguida, ele me apoiou a publicar o texto assim mesmo, justamente para trazer a questão à tona e para debatermos como algumas frases do cotidiano podem carregar conotações que às vezes nem percebemos. No dia da publicação da coluna, logo cedo, recebo mensagem de Cristiane Tavares, jornalista e educadora que tenho o privilégio de sua amizade desde os tempos da faculdade Cásper Líbero (início dos anos de 1990). Cristiane, ou Crisalvina, como a chamo há décadas, é uma das pessoas mais inteligentes e de bom senso que conheço.

Falamos um pouco por telefone e, pelo jeito da voz dela, reparei o quanto estava chateada com a minha colocação. Cogitei tirar o texto do ar, mas, assim como o Djalma recomendou, ela disse que o artigo deveria permanecer no blog. Deixei. Daí para frente, as interações com o tal texto até que foram bem positivas, afinal, o foco era a saia justa em que me meti ao não saber lidar direito com o choro do meu primogênito derrotado. Por isso, achei que o assunto da frase preconceituosa já era página virada. Mas estava enganado.

No almoço de domingo, há algumas semanas na casa dos meus pais, em uma tarde superagradável dedicada às crianças da família em que todos riam com bexigas presas à cabeça, a questão voltou à tona. Luiz, meu pai, com quem tenho ótima relação, me levou até uma sala mais reservada, sentou à minha frente e, sem muitos rodeios, disse que não tinha gostado do tal texto e que por isso não havia compartilhado.

Que bomba. Meu pai envergonhado com algo que escrevi. Demorei a reagir. Mesmo já tendo discutido com duas pessoas queridas sobre a frase polêmica (sem grandes sofrimentos), percebi como a porrada é diferente quando vem do pai. Baixei a crista e me encolhi como se tivesse acabado chutar a bola e quebrado a janela da igreja, nossa vizinha na época em que morávamos no Brooklin e, com os amigos, fazíamos o diabo na paróquia. Fiquei sem resposta, pedi desculpas, prometi que ficaria mais atento.

Mais tarde, já em casa e sem a bexiga amarrada na cabeça, usei o episódio com o meu pai para refletir e azeitar a forma e o conteúdo das coisas que passo para os meus moleques. Desde então, estou ainda mais atento à postura de pai, não apenas pelo viés de quem ensina, mas, principalmente, com a atenção e o cuidado de quem é filho. Não quero bobear de novo, pois, olha, não é fácil levar bronca do pai.

PS: sobre a enorme repercussão e as centenas de comentários agressivos a respeito do meu texto mais recente, quando me coloquei contra a posse de arma para civis, peço o mínimo (ou, o óbvio): respeito. Lamentável a histeria de gente que defende o porte de arma para todos. A sociedade se fortalece quando pensamentos antagônicos são discutidos de forma decente e sem gritaria – um monte de exclamações e palavras escritas em letras maiúsculas não ajudam o debate. Claro que podemos pensar de forma diferente, o que não podemos é abrir mão do respeito e da civilidade. Que tipo de exemplo você quer deixar para seus filhos?

Sobre o autor

Paulistano de 1973, Décio Galina fez jornalismo na Cásper Líbero no início dos anos 1990 – os computadores chegavam à faculdade na época em que ele suava para passar nos testes do curso de datilografia do Senac. Trabalhou com Caco Barcellos na pesquisa do livro “Rota 66”. Passou alguns meses na “Gazeta Esportiva” antes de ficar cinco anos de fortes emoções na editoria Geral do jornal “Notícias Populares” – foi de repórter policial a editor. Deixou a vida do crime na periferia e começou a editar a revista “Daslu”, na Trip Editora. Ficou na Trip de 2001 a 2017: 16 anos produzindo conteúdo para marcas como Itaú Personnalité, Mitsubishi, Pão de Açúcar, Natura, Gol Linhas Aéreas, entre outros. Já viajou bastante, dentro e fora do país, o suficiente para saber que o Brasil é seu lugar predileto.

Sobre o Blog

Como curtir a vida com dois filhos moleques (2 e 10 anos), viagens dentro e fora do Brasil e os caminhos de Bilhete Único em São Paulo -- já que o autor sabe dirigir revista, mas não dirige carros...

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