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Décio Galina

Dez dias longe de casa e encontro quem não via há tempos: eu

Décio Galina

25/11/2017 08h00

 

Faz dez dias que estou longe de casa. Sigo na companhia de um fotógrafo, perambulando pelo Alentejo (bem além de Évora) em busca de boas histórias para uma reportagem que ganhará as páginas de uma revista de bordo em janeiro. A saudade de casa, do meu amor e dos meus dois moleques é temperada por outra sensação quase estranha: se preocupar "apenas" comigo mesmo. A paternidade é tão intensa que às vezes parece que desde sempre tive filhos – mal lembro como era sem.

E digo quase estranha, pois, quem tem filho sabe: no dia a dia, o foco principal é a rotina e as necessidades da filharada, a agenda deles, as reuniões na escola, pagar a pediatra, inventar maneiras de dar o antibiótico, ficar esperto na rematrícula, acompanhar a ansiedade alheia no grupo de whatsapp dos pais da classe, passear no Sesc Pompeia, procurar o pavão no Parque da Água Branca.

De repente, corta. Tudo isso dá espaço a um entra e sai do carro alugado, visitas a castelos, muros medievais, longos almoços regados a vinho na companhia desse querido povo português, casais de velhinhos em ruas brancas e amarelas que, de tão limpas, parecem que acabaram de ser pintadas. No fim do dia, o que sobra é só um "Décio", cansado pra chuchu, mas apenas com coisas que fiz para mim e o planejamento do dia seguinte. Volto a ter nome. Deixo de ser "o pai" – confesso que não gosto muito dessa mania que acontece com certa frequência entre funcionários da escola e na aula de natação das crianças que é o hábito de ser chamado de "o pai".

Sim, é uma delícia a facilidade atual de conseguir mandar uma mensagem de áudio ou mesmo falar por vídeo de forma gratuita para matar a falta da família. Mas considero importante valorizar a distância e sentir o peso de estar longe. Para conseguir sintonia perfeita com os cafundós do Alentejo, perto da fronteira da Espanha, em vilarejos de menos de mil habitantes, não dá para conversar por vídeo, no celular, com filho acompanhando a mãe no sacolão da Vila Romana. Há pouco tempo atrás, as viagens exigiam uma ruptura mais profunda com a vida que se leva em casa – talvez por isso, os retornos eram catarses ainda mais emocionantes.

Nesses dez dias de intensa produção jornalística no exterior, tive a chance de resgatar traços essenciais meus, de um tempo que não tinha filhos – nem pensava em ter (aliás, até os 30 anos, se tinha uma certeza na vida, era que jamais teria filhos… Comecei a mudar de ideia em um réveillon que viajamos, só eu e meu pai, para Torres del Paine – mas isso é assunto para outro dia). Tudo isso para dizer que a distância pode fortalecer laços familiares do cotidiano e que ela é excelente para termos certezas das principais escolhas que fazemos. No meu caso, mal consigo acabar de escrever esse texto sem enxugar os olhos. O que mais quero no mundo nesse momento é que chamem logo o meu voo para, muito em breve, pousar em casa e esmagar meus filhos e minha mulher como se não houvesse amanhã.

Sobre o autor

Paulistano de 1973, Décio Galina fez jornalismo na Cásper Líbero no início dos anos 1990 – os computadores chegavam à faculdade na época em que ele suava para passar nos testes do curso de datilografia do Senac. Trabalhou com Caco Barcellos na pesquisa do livro “Rota 66”. Passou alguns meses na “Gazeta Esportiva” antes de ficar cinco anos de fortes emoções na editoria Geral do jornal “Notícias Populares” – foi de repórter policial a editor. Deixou a vida do crime na periferia e começou a editar a revista “Daslu”, na Trip Editora. Ficou na Trip de 2001 a 2017: 16 anos produzindo conteúdo para marcas como Itaú Personnalité, Mitsubishi, Pão de Açúcar, Natura, Gol Linhas Aéreas, entre outros. Já viajou bastante, dentro e fora do país, o suficiente para saber que o Brasil é seu lugar predileto.

Sobre o Blog

Como curtir a vida com dois filhos moleques (2 e 10 anos), viagens dentro e fora do Brasil e os caminhos de Bilhete Único em São Paulo -- já que o autor sabe dirigir revista, mas não dirige carros...

Décio Galina