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Décio Galina

Programão de férias: volta no quarteirão tomando chuva com o filho

Décio Galina

30/12/2017 08h51

– Mas o senhor vai sair com o menino na chuva?

Pelo espanto do porteiro, parece que caem meteoros fumegantes, e está ventando a ponto de as pessoas ficarem penduradas nos postes como bandeiras no mastro. Nem tanto. Chove fraco, às vezes aperta um pouco, para, o sol aparece, chove de novo. O fim de dezembro nos morros da Pompeia tem clima incerto – o tempo vira como se estivéssemos em Torres del Paine. Nesse exato momento, o da saída do prédio, chove de leve, nada que encharque rápido.

Felipe, de 3 anos, mexe na loirice sueca dos cabelos para espantar coisas que caem do céu. Gotas grandes. Verdadeiros torpedos de um disco voador invisível. O moleque está ofegante com a experiência. Ele olha pra cima. Pisca, franzindo a testa com os tiros certeiros; dá risada, estende os braços para um céu cinza chapado, sem nuvens aparentes.

– Tá lavando os carros! Na rua!

A empolgação do moleque está ligada à adoração de postos de gasolina que têm lavagem com aquelas buchas gigantes, que, se crescessem mais um pouco, poderiam lavar prédios inteiros, ou até o Obelisco do Ibirapuera. Felipe pira com lava-rápido.

Enquanto andamos pela calçada, ainda com uma chuvinha na cabeça (claro que esquecemos o guarda-chuva de bombeiro que a vovó Rosana deu – desculpe, mãe, fui a última vez que isso aconteceu, não vá me ligar para dar bronca), conversamos sobre quem mais está feliz com a chuva. Além dos carros, claro, cada vez mais limpos, com limpadores de para-brisas incansáveis, que trabalham com uma força descomunal, típica de quem come brócolis, carne e purê todo dia.

Árvores felizes da vida

Chegamos à conclusão que, quem deve estar feliz pra chuchu com essa chuva são as plantas e as primas delas, as árvores. Elas têm uma vida muito diferente da dos carros. Não sabem falar (talvez ouçam, no máximo), não podem se mexer (mas adoram abraços), só crescem para cima, vivem sendo mutiladas em São Paulo, e dizimadas na Amazônia. É…, não é mole ser árvore atualmente.

Se a vida humana está indo pro bebeléu, o que dizer do futuro das árvores, que dependem de um bom senso básico dessa espécie que não está sabendo lidar, digamos, de forma inteligente com o planeta que lhe foi dado assim, de mão beijada. Certeza: se o mundo fosse só de dinossauros, girafas, pinguins, borboletas e baleias, não estaríamos assim, à beira do colapso.

Talvez por isso, agora que a chuva parou um pouco, dá para notar como as plantas e as árvores ficam mais felizes e vistosas após matar a sede e tomar banho ao mesmo tempo (mesmo que não tenham lavado a cabeça). Compramos um saco de pão na padaria, e imaginamos voltar para casa de balão – assim, aumentaria a chance de cruzarmos com um dos bichos mais doidos (repare…), o tucano.

Conto para o Felipe sobre as viagens que fiz com o Nico para o Pantanal e como é bacana ver um monte de animais na natureza. Com os pés nos chão, nem deu pra reclamar da falta do balão, já que tem tanta flor colorida no chão – flores que viram o córrego perto da guia engrossar com a chuva e decidiram brincar de ser canoa, levando formigas e joaninhas para passear.

Volta a chover (mais forte) depois de o sol aparecer só pra dar um oi (Felipe faz joinha pro céu quando o sol dá oi). O menino topa entrar logo no elevador (sem jogar futebol na quadra!) para curtir um dos programas mais legais depois da chuva: banho quente (no caso do Felipe, o banho quente perfeito termina com ele mesmo passando, por um bom tempo, um rodinho pra levar a água ao ralo).

Não sei se o Felipe vai lembrar esses dias ordinários e as nossas conversas malucas sem-fim. Da minha parte, olha, acho que a maior saudade que vou sentir na vida será justamente dos dias que não programamos nada para fazer com os filhos.

Sobre o autor

Paulistano de 1973, Décio Galina fez jornalismo na Cásper Líbero no início dos anos 1990 – os computadores chegavam à faculdade na época em que ele suava para passar nos testes do curso de datilografia do Senac. Trabalhou com Caco Barcellos na pesquisa do livro “Rota 66”. Passou alguns meses na “Gazeta Esportiva” antes de ficar cinco anos de fortes emoções na editoria Geral do jornal “Notícias Populares” – foi de repórter policial a editor. Deixou a vida do crime na periferia e começou a editar a revista “Daslu”, na Trip Editora. Ficou na Trip de 2001 a 2017: 16 anos produzindo conteúdo para marcas como Itaú Personnalité, Mitsubishi, Pão de Açúcar, Natura, Gol Linhas Aéreas, entre outros. Já viajou bastante, dentro e fora do país, o suficiente para saber que o Brasil é seu lugar predileto.

Sobre o Blog

Como curtir a vida com dois filhos moleques (2 e 10 anos), viagens dentro e fora do Brasil e os caminhos de Bilhete Único em São Paulo -- já que o autor sabe dirigir revista, mas não dirige carros...

Décio Galina