Passeio de ônibus com os filhos mostra a verdadeira cor dos paulistanos
No transporte público o caminho pode ser tão divertido quanto o destino (Foto: Arquivo Pessoal)
Andar de ônibus e de metrô com meus filhos é a melhor maneira de perceberem que a cor e o estilo das pessoas de São Paulo são bem mais diversos do que apresenta a rotina que eles vivem em escolas arborizadas da zona oeste e festinhas em praças bem cuidadas do Sumaré (na sala do Felipe, por exemplo, caçula de quase 3 anos, metade dos alunos é loira e todos são brancos — um pedacinho de Oslo na Água Branca).
No transporte público, eles também reparam que o caminho pode ser tão divertido quanto o destino. O Felipe se entretém apostando quantas pessoas vão subir pela porta da frente. "Três!", ele arrisca, mostrando quatro dedos da mão. Então, por essas injustiças da vida, sobe só uma pessoa, o que traz à tona questões complexas, verdadeiros mistérios que sempre nos fazem ficar mudos por um tempo procurando respostas: "Papai, por que subiu só uma pessoa?". A sorte é que logo senta uma senhora ao lado e começa a puxar papo como uma naturalidade que encoraja o Felipe a chamá-la de "vovó" sem a menor cerimônia.
A brincadeira, de fato, começa antes de subirmos no coletivo. A expectativa do "está chegando?" e "qual é a cor de bumba que serve pra gente?" transforma a espera no ponto em outro momento de diversão — sem contar que, muitas vezes, rola mais entrosamento do pequeno com gente desconhecida, oi, tudo bem, que bumba você vai pegar, o laranja também? Quando o ônibus finalmente dá o ar da graça, o moleque confirma que aquele é o "nosso", e avisa: "Deixa que eu paro ele, pai". Concentrado, estica o indicador gordinho para o meio da rua e, com um super poder, consegue estancar a caixa gigante de lata, que sobe a avenida Pompeia fazendo um barulho de trovão.
Agora, alegria mesmo é quando o Felipe acha a vassoura que costuma ficar perto do cobrador. Ele pira em brincar de limpar, fazer faxina, passar pano, rodo, espanador — tirando o fogão rosa de plástico dado pela avó Laís (o brinquedo que ele mais ama, inclusive tem estado bem chateado porque sumiu a torneira…), os utensílios domésticos de limpeza (de verdade) são os brinquedos favoritos. Quer dizer, você já está naquela adrenalina danada, que é a descida da Pompeia depois do Hospital São Camilo, e ainda tem à disposição uma vassoura, ali, bem à mão.
Descer do ônibus e caminhar para o embarque no metrô é como mudar de fase no joguinho – e vamos combinar que essa história de pegar um monte de escadas rolantes rumo ao centro da Terra em busca de um monstro que rompe o breu com dois olhos redondos e amarelos é bem emocionante. Vidrado na grande boca escura, Felipe parece preocupado. "Cadê o metrô, pai?". "Acho que deve estar dormindo, filho, talvez por isso esteja esse silêncio, repare que as pessoas estão quietas também. Mas tudo bem. Daqui a pouco ele acorda." Felipe parece mais tranquilo. De repente, somos atingidos por uma onda forte de vento que varre a plataforma e faz o menino segurar a franja dourada. "Ele acordou, pai!" Sorte que nossos super poderes embaixo da terra continuam afiados: basta um olhar congelante para deter a cobra quase infinita de lata e vidro; nem precisa levantar o indicador gordinho.
Circulando de ônibus, Felipe aprende que não mora em Oslo (Foto: Arquivo Pessoal)
Uma vez dentro da enorme cobra, o apito que precede o fechar das portas e a voz misteriosa que aparece dentro do vagão dando ordens e contando qual a próxima estação fascinam o menino. Caminhar pela avenida Paulista e desviar de pedestres que chegam por todos os lados são os últimos desafios antes de alcançar o parquinho do Trianon. Na hora de voltar pra casa, Felipe se certifica que a farra vai continuar. "Vamos de bumba e de metrô, né, pai?". O moleque nem imagina, mas ele está quase pronto para um passeio mais radical. Dia desses vou levá-lo de ônibus até o extremo sul da cidade, serpenteando a avenida Dona Belmira Marin pelo miolo do Grajaú até a balsa que atravessa a represa Billings rumo ao que sobra de Mata Atlântica na cidade, na Ilha do Bororé (que na verdade é uma península). Só assim para ele entender o tamanho de São Paulo e a complexidade de uma cidade que nada tem a ver com Oslo.
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