Topo

Histórico

Categorias

Décio Galina

Passeio de ônibus com os filhos mostra a verdadeira cor dos paulistanos

Décio Galina

11/09/2017 08h00

No transporte público o caminho pode ser tão divertido quanto o destino (Foto: Arquivo Pessoal)

Andar de ônibus e de metrô com meus filhos é a melhor maneira de perceberem que a cor e o estilo das pessoas de São Paulo são bem mais diversos do que apresenta a rotina que eles vivem em escolas arborizadas da zona oeste e festinhas em praças bem cuidadas do Sumaré (na sala do Felipe, por exemplo, caçula de quase 3 anos, metade dos alunos é loira e todos são brancos — um pedacinho de Oslo na Água Branca).

No transporte público, eles também reparam que o caminho pode ser tão divertido quanto o destino. O Felipe se entretém apostando quantas pessoas vão subir pela porta da frente. "Três!", ele arrisca, mostrando quatro dedos da mão. Então, por essas injustiças da vida, sobe só uma pessoa, o que traz à tona questões complexas, verdadeiros mistérios que sempre nos fazem ficar mudos por um tempo procurando respostas: "Papai, por que subiu só uma pessoa?". A sorte é que logo senta uma senhora ao lado e começa a puxar papo como uma naturalidade que encoraja o Felipe a chamá-la de "vovó" sem a menor cerimônia.

A brincadeira, de fato, começa antes de subirmos no coletivo. A expectativa do "está chegando?" e "qual é a cor de bumba que serve pra gente?" transforma a espera no ponto em outro momento de diversão — sem contar que, muitas vezes, rola mais entrosamento do pequeno com gente desconhecida, oi, tudo bem, que bumba você vai pegar, o laranja também? Quando o ônibus finalmente dá o ar da graça, o moleque confirma que aquele é o "nosso", e avisa: "Deixa que eu paro ele, pai". Concentrado, estica o indicador gordinho para o meio da rua e, com um super poder, consegue estancar a caixa gigante de lata, que sobe a avenida Pompeia fazendo um barulho de trovão.

Felipe, 2, Nícolas, 10, no ônibus (Foto: Arquivo Pessoal)

Agora, alegria mesmo é quando o Felipe acha a vassoura que costuma ficar perto do cobrador. Ele pira em brincar de limpar, fazer faxina, passar pano, rodo, espanador — tirando o fogão rosa de plástico dado pela avó Laís (o brinquedo que ele mais ama, inclusive tem estado bem chateado porque sumiu a torneira…), os utensílios domésticos de limpeza (de verdade) são os brinquedos favoritos. Quer dizer, você já está naquela adrenalina danada, que é a descida da Pompeia depois do Hospital São Camilo, e ainda tem à disposição uma vassoura, ali, bem à mão.

Descer do ônibus e caminhar para o embarque no metrô é como mudar de fase no joguinho – e vamos combinar que essa história de pegar um monte de escadas rolantes rumo ao centro da Terra em busca de um monstro que rompe o breu com dois olhos redondos e amarelos é bem emocionante. Vidrado na grande boca escura, Felipe parece preocupado. "Cadê o metrô, pai?". "Acho que deve estar dormindo, filho, talvez por isso esteja esse silêncio, repare que as pessoas estão quietas também. Mas tudo bem. Daqui a pouco ele acorda." Felipe parece mais tranquilo. De repente, somos atingidos por uma onda forte de vento que varre a plataforma e faz o menino segurar a franja dourada. "Ele acordou, pai!" Sorte que nossos super poderes embaixo da terra continuam afiados: basta um olhar congelante para deter a cobra quase infinita de lata e vidro; nem precisa levantar o indicador gordinho.

Circulando de ônibus, Felipe aprende que não mora em Oslo (Foto: Arquivo Pessoal)

Uma vez dentro da enorme cobra, o apito que precede o fechar das portas e a voz misteriosa que aparece dentro do vagão dando ordens e contando qual a próxima estação fascinam o menino. Caminhar pela avenida Paulista e desviar de pedestres que chegam por todos os lados são os últimos desafios antes de alcançar o parquinho do Trianon. Na hora de voltar pra casa, Felipe se certifica que a farra vai continuar. "Vamos de bumba e de metrô, né, pai?". O moleque nem imagina, mas ele está quase pronto para um passeio mais radical. Dia desses vou levá-lo de ônibus até o extremo sul da cidade, serpenteando a avenida Dona Belmira Marin pelo miolo do Grajaú até a balsa que atravessa a represa Billings rumo ao que sobra de Mata Atlântica na cidade, na Ilha do Bororé (que na verdade é uma península). Só assim para ele entender o tamanho de São Paulo e a complexidade de uma cidade que nada tem a ver com Oslo.

Sobre o autor

Paulistano de 1973, Décio Galina fez jornalismo na Cásper Líbero no início dos anos 1990 – os computadores chegavam à faculdade na época em que ele suava para passar nos testes do curso de datilografia do Senac. Trabalhou com Caco Barcellos na pesquisa do livro “Rota 66”. Passou alguns meses na “Gazeta Esportiva” antes de ficar cinco anos de fortes emoções na editoria Geral do jornal “Notícias Populares” – foi de repórter policial a editor. Deixou a vida do crime na periferia e começou a editar a revista “Daslu”, na Trip Editora. Ficou na Trip de 2001 a 2017: 16 anos produzindo conteúdo para marcas como Itaú Personnalité, Mitsubishi, Pão de Açúcar, Natura, Gol Linhas Aéreas, entre outros. Já viajou bastante, dentro e fora do país, o suficiente para saber que o Brasil é seu lugar predileto.

Sobre o Blog

Como curtir a vida com dois filhos moleques (2 e 10 anos), viagens dentro e fora do Brasil e os caminhos de Bilhete Único em São Paulo -- já que o autor sabe dirigir revista, mas não dirige carros...

Décio Galina