Décio Galina http://deciogalina.blogosfera.uol.com.br Como curtir a vida com dois filhos moleques (2 e 10 anos), viagens dentro e fora do Brasil e os caminhos de Bilhete Único em São Paulo -- já que o autor sabe dirigir revista, mas não dirige carros... Thu, 01 Feb 2018 18:25:16 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Como a volta às aulas marca os capítulos da história de vida dos pais http://deciogalina.blogosfera.uol.com.br/2018/02/01/como-a-volta-as-aulas-marca-os-capitulos-da-historia-de-vida-dos-pais/ http://deciogalina.blogosfera.uol.com.br/2018/02/01/como-a-volta-as-aulas-marca-os-capitulos-da-historia-de-vida-dos-pais/#respond Thu, 01 Feb 2018 18:25:16 +0000 http://deciogalina.blogosfera.uol.com.br/?p=210

Nícolas, Felipe e Décio fechando as férias de verão no Sesc Bertioga

A impressão que tenho é que o Nícolas, de 10 anos, não entende muito bem por que estou tão feliz/ansioso/emocionado na véspera da volta às aulas – afinal, é ele que retorna à escola, não eu. O moleque está prestes a iniciar o 5º ano. Aquele momento mágico em que a sua turma é a mais velha no futebol do recreio, mas você ainda é paparicado por um único professor, quase um ente da família durante o ano letivo. Em 2019, prepare-se, muda tudo: vai ser o mais novo na reta final do ensino fundamental e enfrentará um bando de professores, um por matéria, que não terão muito tempo para cuidar de seus receios e inseguranças.

No ônibus, a caminho da escola, desato a tagarelar uma série de instruções/lembretes/sugestões enquanto o menino, quieto, tem o olhar perdido em pessoas enroladas em cobertores sujos dormindo em pedaços de colchão sob o Minhocão. Fecho o bico e passo a pensar em como represar a cachoeira de ideias que está fluindo em minha cabeça e como realmente toca esse momento de levar o filho para se embrenhar nos estudos e descobertas do 5º ano.

No trecho a pé até a porta da escola, percebo que abraço o menino mais do que o normal, como se, de alguma forma, tentasse segurar aquele momento. Percebo também que já não é preciso curvar tanto as costas para abraçá-lo – impressionante como os filhos crescem nas férias… Na porta da escola, resolvo resumir tudo a uma palavra só. Seguro o moleque, peço para ele me olhar um instante e digo: aproveite. Nunca deixe de aproveitar a vida, meu filho.

Samambaia no canto da mesa

O fim de janeiro traz também a emoção do retorno às aulas do caçula Felipe, de 3 anos. Na reunião de pais, a preocupação é como regular o sono da tarde das crianças, como estancar a balbúrdia dos horários que se instalou durante as férias e como será a rotina no novo espaço da escola, ocupado por crianças maiores, de até 7 anos. O moleque está elétrico como nunca e dá um nó na garganta imaginar o tanto que vai se desenvolver durante o ano – deixa de ser um bebê, uma criancinha pequena… (quando fica impossível levar no colo, por exemplo).

É nesse cenário que me despeço desse espaço, frequentado por cerca de cinco meses. Recebi um retorno do portal que os números não estão bons, precisam cortar alguns blogs e paternidade não dá ibope. Pena. Confesso que nunca tinha pensado em escrever esse tipo de texto sobre experiências cotidianas com a filharada – e gostei da brincadeira.

Paternidade talvez não dê o ibope necessário, pois ainda vigora no senso comum da classe média que é a mãe que deve estar mais próxima aos filhos. Ainda é normal existir shopping que cria um espaço e convida os pais a beberem cerveja enquanto as mães limpam os filhos no fraldário. E tudo bem também se o pai sair para trabalhar antes de o filho acordar, e voltar pra casa depois que ele estiver dormindo – afinal, alguém precisa prover a família. Aí, chega o fim de semana e é melhor levar a babá ao parque, pois a criança mal tem intimidade com o pai. E, no restaurante, é sempre bom ter o celular à mão para hipnotizar o filho com uma galinha pintadinha e deixá-lo como uma samambaia no canto da mesa.

Agradeço o convite do UOL, a atenção da leitura de vocês e o alto astral que permeou a troca de experiências durante esse período. Saúde a todos em 2018!

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Postura grotesca de Bolsonaro ameaça vilões dos contos de fada http://deciogalina.blogosfera.uol.com.br/2018/01/15/postura-grotesca-de-bolsonaro-ameaca-viloes-dos-contos-de-fada/ http://deciogalina.blogosfera.uol.com.br/2018/01/15/postura-grotesca-de-bolsonaro-ameaca-viloes-dos-contos-de-fada/#respond Mon, 15 Jan 2018 20:15:46 +0000 http://deciogalina.blogosfera.uol.com.br/?p=196

Juro que preferia ter estômago apenas para compartilhar as experiências cotidianas da paternidade e causos de viagem dentro e fora do Brasil, mas, infelizmente, vou ter que desviar um pouco do foco principal dessa aba do UOL.

Adoraria estar com o humor para detalhar como suei para correr atrás do Felipe, caçula de 3 anos, durante o segundo ato do musical A Bela e a Fera, no Teatro Bradesco, quando o menino não sentou um segundo sequer e ficava zanzando pelos corredores, pirando com as bolinhas de sabão e pedaços de papel que choviam do teto em determinadas cenas; também daria uma boa crônica como lidei com a saudade aguda que senti do Nícolas, primogênito de 10 anos, que passou a semana no litoral norte de SP com a mãe. Mas não, não dá.

Não dá para engolir e causa ânsia só de lembrar as palavras do presidenciável Jair Bolsonaro em entrevista publicada pela Folha de S. Paulo na sexta (12). “Como eu estava solteiro naquela época, esse dinheiro de auxílio-moradia eu usava pra comer gente, tá satisfeita agora ou não?”, respondeu ao ser questionado, de forma educada, sobre a utilização de verba da Câmara.

Show de horror

Talvez não seja necessário grafar aqui outras aspas completamente absurdas para uma pessoa que pretende dirigir um país, nem entrar no mérito de como enriqueceu na política. O fato é que o show de horror seguiu em outra entrevista, publicada no mesmo dia, com Luciano Bivar, presidente do PSL, sigla que deve ser usada por Jair na disputa pela presidência.

Segundo Bivar, não há problema algum se o candidato fez homenagem ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, sinônimo de repressão durante a ditadura militar. “Não sei se Ustra foi um torturador ou não…”; “…o povo clamou pelos militares”; “…a ameaça comunista era muito grande.” Oi?

Repito, caro leitor, não é ideia deste espaço trazer temas políticos, nem puxar sardinha para X ou Y, mas pincelo esses frases supracitadas por pura indignação, que, inclusive, deveria ser de todos. Passei o fim de semana sem acreditar que chegamos a um ponto que esse tipo de comportamento pode ser considerado “normal”. Mas, pense bem, não é normal.

Não é assim que se trata um repórter, nem é assim que se aborda o destino de dinheiro público. Não só não é normal como é chocante. Caso esse tipo de postura grotesca vire uma coisa corriqueira, teremos que rever o enredo dos contos de fada vigentes, pois as feras e os vilões atuais não vão assustar nem mesmo uma criança.

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A semana em que meu caçula parou de falar e passou fome http://deciogalina.blogosfera.uol.com.br/2018/01/06/o-dia-em-que-meu-filho-parou-de-falar-e-passou-fome/ http://deciogalina.blogosfera.uol.com.br/2018/01/06/o-dia-em-que-meu-filho-parou-de-falar-e-passou-fome/#respond Sat, 06 Jan 2018 10:00:57 +0000 http://deciogalina.blogosfera.uol.com.br/?p=183

A cara da estomatite: bochechas inchadas e olhar de perplexidade

Felipe, o caçula de 3 anos, abriu 2018 com duas limitações que estão o deixando maluco: não consegue falar, nem comer. Tamanha a dor causada por cerca de um milhão de aftas que brilham no céu da boca do moleque como estrelas no Deserto de Atacama. Prazer, estomatite – nem sabia do que se tratava (Nícolas, meu menino de 10 anos, nunca teve), e não pensei que o calvário se arrastasse por tantos dias.

De bico fechado, com dificuldade até para abrir a boca, ele lança um olhar de interrogação e de indignação, sem entender por que, de repente, teve que abrir mão das coisas que mais gosta na vida. Normalmente, Felipe fala como uma matraca desde o instante que abre o olho na cama e grita: “Tá dia! Vamos pra sala!” (mesmo que seja 6 e pouco da manhã).

Entre os motivos que o fazem parar um pouco de falar estão a fome e a disposição de comer pratadas de arroz, feijão, purê, bife e brócolis. Tem noite que janta três vezes. De sobremesa, arremata um mamão (meio ou inteiro). Duas bananas também não é raro de acontecer. Queima o que come jogando bola, brincando sem parar, inventando que é pirata em embates de espada com o pai que podem durar horas.

Mudo, inerte e com um galo

Gosta também de contato físico, cócegas na barriga, luta rolando pelo chão. Estamos inclusive pensando em colocá-lo em algum esporte tipo caratê, kung-fu ou luta greco-romana (Carol, minha mulher e mãe do menino, já descartou o judô porque ela acha que quimono abre toda hora e fica desarrumado).

A imagem dele mudo, inerte e com fome ainda tem o agravante de um galo na testa que mais parece uma bola de tênis amarela, resultado de um pouso mal calculado, pulando nos bancos da Choperia (me recuso a chamar esse lugar de Comedoria…) do Sesc Pompeia. Nesses dias difíceis, Felipe segurou a onda, chorou só nos ápices de dor quando não conseguiu comer nem sorvete e se virou na base do olhar, e do “hum-hum…”.

Ontem, dia em que completei 45 anos, tudo o que queria é que ele voltasse a conseguir comer alguma coisa. Assoprei velinhas em um bolo de chocolate recheado e ele não resistiu. “Vai doer o bolo, papai?”. “Não sei, filho, experimenta…” (quase um mantra pra vida toda). As mastigadas em câmera lenta trouxeram angústia à sala. “Consegui! Não doeu!”, e jogou os braços para cima como Dora faz nos desenhos (que ele adora assistir) ao cantar “Conseguimos!”. À tarde, mais uma rodada de coração acelerado: ele pediu para tentar comer arroz. O caminho da colher para a boca foi acompanhado com a tensão de uma torcida que assiste ao jogador indo bater pênalti.

Foi grande a expectativa na primeira colherada de arroz depois quatro dias de estomatite

Ao engolir e arregalar os olhos, como se dissesse “estou prestes a retomar a vida normal, me aguardem…”, respirei aliviado e mal comemorei o gol. Só assim mudei a chavinha e saí para jantar com a mãe do menino, que também estava leve, voando sobre sapatos altos, vermelhos. É ótima a expectativa para os próximos 45 anos. Entro em campo mais do que aquecido para esse segundo tempo que promete ser empolgante.

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Programão de férias: volta no quarteirão tomando chuva com o filho http://deciogalina.blogosfera.uol.com.br/2017/12/30/programao-de-ferias-volta-no-quarteirao-tomando-chuva-com-o-filho/ http://deciogalina.blogosfera.uol.com.br/2017/12/30/programao-de-ferias-volta-no-quarteirao-tomando-chuva-com-o-filho/#respond Sat, 30 Dec 2017 10:51:27 +0000 http://deciogalina.blogosfera.uol.com.br/?p=176

– Mas o senhor vai sair com o menino na chuva?

Pelo espanto do porteiro, parece que caem meteoros fumegantes, e está ventando a ponto de as pessoas ficarem penduradas nos postes como bandeiras no mastro. Nem tanto. Chove fraco, às vezes aperta um pouco, para, o sol aparece, chove de novo. O fim de dezembro nos morros da Pompeia tem clima incerto – o tempo vira como se estivéssemos em Torres del Paine. Nesse exato momento, o da saída do prédio, chove de leve, nada que encharque rápido.

Felipe, de 3 anos, mexe na loirice sueca dos cabelos para espantar coisas que caem do céu. Gotas grandes. Verdadeiros torpedos de um disco voador invisível. O moleque está ofegante com a experiência. Ele olha pra cima. Pisca, franzindo a testa com os tiros certeiros; dá risada, estende os braços para um céu cinza chapado, sem nuvens aparentes.

– Tá lavando os carros! Na rua!

A empolgação do moleque está ligada à adoração de postos de gasolina que têm lavagem com aquelas buchas gigantes, que, se crescessem mais um pouco, poderiam lavar prédios inteiros, ou até o Obelisco do Ibirapuera. Felipe pira com lava-rápido.

Enquanto andamos pela calçada, ainda com uma chuvinha na cabeça (claro que esquecemos o guarda-chuva de bombeiro que a vovó Rosana deu – desculpe, mãe, fui a última vez que isso aconteceu, não vá me ligar para dar bronca), conversamos sobre quem mais está feliz com a chuva. Além dos carros, claro, cada vez mais limpos, com limpadores de para-brisas incansáveis, que trabalham com uma força descomunal, típica de quem come brócolis, carne e purê todo dia.

Árvores felizes da vida

Chegamos à conclusão que, quem deve estar feliz pra chuchu com essa chuva são as plantas e as primas delas, as árvores. Elas têm uma vida muito diferente da dos carros. Não sabem falar (talvez ouçam, no máximo), não podem se mexer (mas adoram abraços), só crescem para cima, vivem sendo mutiladas em São Paulo, e dizimadas na Amazônia. É…, não é mole ser árvore atualmente.

Se a vida humana está indo pro bebeléu, o que dizer do futuro das árvores, que dependem de um bom senso básico dessa espécie que não está sabendo lidar, digamos, de forma inteligente com o planeta que lhe foi dado assim, de mão beijada. Certeza: se o mundo fosse só de dinossauros, girafas, pinguins, borboletas e baleias, não estaríamos assim, à beira do colapso.

Talvez por isso, agora que a chuva parou um pouco, dá para notar como as plantas e as árvores ficam mais felizes e vistosas após matar a sede e tomar banho ao mesmo tempo (mesmo que não tenham lavado a cabeça). Compramos um saco de pão na padaria, e imaginamos voltar para casa de balão – assim, aumentaria a chance de cruzarmos com um dos bichos mais doidos (repare…), o tucano.

Conto para o Felipe sobre as viagens que fiz com o Nico para o Pantanal e como é bacana ver um monte de animais na natureza. Com os pés nos chão, nem deu pra reclamar da falta do balão, já que tem tanta flor colorida no chão – flores que viram o córrego perto da guia engrossar com a chuva e decidiram brincar de ser canoa, levando formigas e joaninhas para passear.

Volta a chover (mais forte) depois de o sol aparecer só pra dar um oi (Felipe faz joinha pro céu quando o sol dá oi). O menino topa entrar logo no elevador (sem jogar futebol na quadra!) para curtir um dos programas mais legais depois da chuva: banho quente (no caso do Felipe, o banho quente perfeito termina com ele mesmo passando, por um bom tempo, um rodinho pra levar a água ao ralo).

Não sei se o Felipe vai lembrar esses dias ordinários e as nossas conversas malucas sem-fim. Da minha parte, olha, acho que a maior saudade que vou sentir na vida será justamente dos dias que não programamos nada para fazer com os filhos.

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Roda de capoeira de 54 crianças tem só três negros e cenas de bullying http://deciogalina.blogosfera.uol.com.br/2017/12/15/roda-de-capoeira-de-54-criancas-tem-so-tres-negros-e-cenas-de-bullying/ http://deciogalina.blogosfera.uol.com.br/2017/12/15/roda-de-capoeira-de-54-criancas-tem-so-tres-negros-e-cenas-de-bullying/#respond Fri, 15 Dec 2017 21:05:16 +0000 http://deciogalina.blogosfera.uol.com.br/?p=171

 

Das 54 crianças que participam da roda de capoeira na apresentação de fim de ano da escola do Nícolas, 10 anos, apenas três são negras. Escola particular, bem conceituada, perto do centro de São Paulo, reúne a molecada do terceiro, quarto e quinto anos para a atividade que dura cerca de uma hora – uma catarse embalada por berimbau, atabaque, chocalho, pandeiro, recorreco e agogô. Coisa linda de assistir. Depois de um tempo, você já está gingando o corpo, mesmo sentado na arquibancada da quadra. Os eventos de encerramento das atividades escolares são sempre muito tocantes. Hora em que paramos tudo o que estamos fazendo na loucura de dezembro para ficar ali, diante da performance do filho e dos amigos dele, chorando de emoção pelo que se vê e pelo retrospecto do ano que passa na mente. Nada, nem ninguém, consegue tirar de uma criança a bagagem e a vivência de mais um ano na escola.

Entre rabos de arraia e rodopios, sonho com o dia que uma roda de capoeira de uma escola particular como essa vá contar com mais crianças negras, metade da turma, por exemplo. Vibro por políticas efetivas de inclusão e, mais do que isso, imagino o dia que os negros não precisem de política alguma de inclusão e já tenham, desde o primeiro dia de vida, as mesmas chances e o mesmo reconhecimento que os descendentes de europeus têm.

Enquanto o bullying acontece…

Desenvolvida pelos negros bantos de Angola como forma de resistência, a capoeira virou Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade em 2011 e é herança do povo que desembarcou no Brasil colonial, destino que recebeu o maior fluxo de escravos da história: três milhões de negros tratados como animais (ou pior que isso) durante 300 anos. Aldeias inteiras eram trocadas por tabaco e cachaça na África e negociadas aqui por açúcar – quem sobrevivia ao inferno da viagem de navio no Atlântico não durava mais de sete anos aos castigos sem-fim nas lavouras brasileiras, determinantes para a construção de impérios e fortunas de famílias brancas. Quem tentava fugir da humilhação diária e era capturado recebia uma marca no rosto feita por ferro em brasa; na segunda tentativa, tinha a orelha cortada; na terceira, era açoitado por chicote até a morte.

Enquanto sonho com dias mais justos para os descendentes de africanos que colocaram esse país em pé, percebo que alunos da classe do Nico (e outros também) começam a fazer bullying com uma criança portadora de limitações neurológicas, que reagiu de forma eufórica durante a vez dela de se apresentar. Engulo seco e quase não acredito estar vendo tal cena. Olho atentamente o meu filho para ver se ele vai entrar na onda dos colegas – coisa que não acontece. Não posso dizer que “respiro aliviado”, pois sigo extremamente incomodado com a continuação do bullying e a apatia de outros pais que testemunham a cena de camarote.

Só o amor salva?

A atitude das crianças só é interrompida quando uma funcionária da escola saca o que está acontecendo e repreende de forma dura os alunos que desrespeitaram o colega. No dia seguinte, fiz questão de ir à escola, chamar essa funcionária para parabenizar seu movimento. Ainda hoje, uma semana depois da roda de capoeira, me pego emocionado com o turbilhão de sensações daquela apresentação. Acredito, de coração, que o caminho para uma sociedade mais justa com todos os povos, bem como o respeito com qualquer tipo de criança, passa necessariamente por uma palavra que serviu de tema para a apresentação de música no último dia de aula do Nico: amor. Soa até utópico escrever isso em dias que o ódio segmenta a nação e pauta as “conversas”. Mas não podemos desistir do amor, de jeito nenhum.

 

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Volto para pagar o suco e encontro o carro sujo com meu sangue na roda http://deciogalina.blogosfera.uol.com.br/2017/12/08/volto-para-pagar-o-suco-e-encontro-o-carro-sujo-com-meu-sangue-na-roda/ http://deciogalina.blogosfera.uol.com.br/2017/12/08/volto-para-pagar-o-suco-e-encontro-o-carro-sujo-com-meu-sangue-na-roda/#respond Fri, 08 Dec 2017 10:00:32 +0000 http://deciogalina.blogosfera.uol.com.br/?p=161

Arnaldo Francelino ao meu lado no Bar e Lanches Meu Rico Português

Precisava pagar o suco de melancia que tomei semana passada antes de desmaiar, bater a cabeça na roda de um carro estacionado e partir para o hospital de táxi, sem pedir para fechar a conta. Precisava também retornar ao local dos fatos, em Pinheiros, para agradecer a turma que me levantou três vezes do chão, não ligou para o corte e estancou a mina de sangue na parte de trás da minha cabeça com gelo. Enfim, era necessário virar a página e não evitar o pedaço onde passei pelo primeiro apagão (triplo!) da vida.

Fernanda e Pedro: chapas da Trip Editora com quem almocei na semana seguinte à síncope

Antes de ir ao Bar e Lanches Meu Rico Português, na esquina da Teodoro com a Francisco Leitão, refiz outra parte do roteiro da quarta-feira anterior. Almocei com dois amigos dos bons tempos de Trip Editora: Pedro, editor de Revista Personnalité e camarada com que assisti aos jogos decisivos da campanha do hepta do Timão berrando pela janela do apartamento dele; e Fernanda, responsável por uma série de vídeos bacanas que colocamos em pé tanto para Personnalité como para a Audi Magazine. Em vez do Giggio, fomos ao Consulado Mineiro, onde voltei a comer bem, mas evitei caipirinha ou outras bebidas alcóolicas – o calor do dia era muito semelhante ao do da semana passada.

Assim que cheguei fui reconhecido por uma funcionária que, com a maior naturalidade do mundo (como se isso nem fosse uma coincidência bizarra), soltou: “Ah, o carro onde você bateu a cabeça está estacionado no mesmo lugar. E dá uma olhada na roda, pois o seu sangue ainda está lá.” Oi? “Sim, foi bem ali que você bateu.”

Marcas de sangue da semana passada, quando desmaiei e bati a cabeça nesse carro

Cheguei mais perto do jipe preto da Suzuki, com placa do interior de São Paulo, e dei aquele sorrisinho amarelo ao me imaginar com o corpo desfalecido, todo torto, e a cabeça enfiada naquele automóvel – que, em uma última análise, foi um santo carro, afinal, não fiquei com sequela alguma. Típica cena que, se fosse em um filme, a gente acharia o roteiro um pouco forçado.

E, para provar que a vida real é sempre uma história pronta para uma ficção manjada, claro que o funcionário que mais me ajudou (e que estava de folga nessa quarta) se chama… Deusimar. Quer dizer, meu anjo da guarda não agiu sozinho, graças a Deus. Como sigo fazendo exames investigando se há algum parafuso fora do lugar que tenha causado minha queda (por ora, dois neuros deram o mesmo diagnóstico: tive uma síncope – perda dos sentidos por má irrigação do sangue no cérebro), achei uma boa tomar outro suco de melancia para eliminar da lista esse possível vilão.

O suco estava ótimo, a visão não embaçou, não fiquei tonto e fui caminhando, a passos firmes, tomar um sorvete no Frida & Mina para celebrar o fato de nada grave ter ocorrido na queda, antes de buscar o Nico na escola. Aproveito o ensejo para agradecer as mensagens de carinho enviadas para o Face e para esse blog. Mesmo antes de os resultados da penca de exames que estou fazendo ficarem prontos, já sei que o principal diagnóstico é acostumar com a ideia que farei 45 anos em menos de um mês e agora os limites são outros. Tudo certo, vamos nessa.

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Desmaio na rua, racho a cabeça e me desespero ao pensar nos filhos http://deciogalina.blogosfera.uol.com.br/2017/12/01/desmaio-na-rua-racho-a-cabeca-e-me-desespero-ao-pensar-nos-filhos/ http://deciogalina.blogosfera.uol.com.br/2017/12/01/desmaio-na-rua-racho-a-cabeca-e-me-desespero-ao-pensar-nos-filhos/#respond Fri, 01 Dec 2017 10:00:07 +0000 http://deciogalina.blogosfera.uol.com.br/?p=151

Eu e Vanina, de chapéu, durante Torta na Cara, uma das atividades que rolava na Trip Editora em 2015

Nesta semana desmaiei na rua, por volta das 4h da tarde, pela primeira vez na vida. Na queda, bati a cabeça no pneu de um carro estacionado e abri um pequeno rasgo, coisa de dois pontos, nada grave. Se continuasse andando e desmaiasse no meio da Teodoro Sampaio, aí sim, estaria frito. Mas a sensação de apagar e abrir os olhos depois de um tempo indeterminado e ver as pessoas horizontal, com o chão em primeiro plano, é péssima. Levantaram-me pelo braço. Pelo tom assustado das vozes, o tombo foi feio, e a pancada, forte. “Tá sangrando, tá sangrando”, repetiam com olhos arregalados. Fiquei em pé. Achei que estava melhor. Puf.. Apaguei de novo. E lá estava eu abrindo os olhos no chão, com a visão bem turva, bastante zonzo. Depois, contaram-me que desmaiei pela terceira vez, mas disso mal tenho registro. O que recordo é de uma moça chamada Aline segurando gelo na minha cabeça até estancar o sangramento. Minha visão começou a melhorar e, da tontura, passei a sentir apenas dor física na cabeça, no pescoço e nos ombros.

Assim que retomei a consciência, meu primeiro desespero veio embalado pela imagem dos meus dois moleques. Será que tinha acontecido alguma coisa comigo que poderia me privar da festa que é a vida ao lado deles? Essa angústia deu um nó imediato na garganta. Pedi para a Aline ficar bem esperta comigo, pois ia tentar me levantar da cadeira e mover os braços e as pernas para saber se estava, minimamente, tudo dentro dos conformes. Aline não achou boa ideia, disse que eu não estava bem, mas seguiu ao meu lado ao perceber que não tinha muita escolha. Levantei. Movi todos os membros, com dor, mas feliz da vida ao sacar que, pelo jeito, nada de grave tinha acontecido. Fiquei emocionado ao sentir que não haveria grandes abalos na convivência com os filhos. Impressionante isso na paternidade. Instintivamente, não me preocupei com o “meu” futuro, mas, sim, se haveria alguma questão que cerceasse minha relação com os meninos.

Eu e o jornalista Messias, fazendo propaganda das camisetas da Quatro Linhas, feitas pela designer Vanina

Como a ambulância não chegava nunca, escrevi para a Carol, minha mulher, que estava longe de Pinheiros. Então, ela acionou o Pedro, camarada que trabalha na editora Trip, onde estive por 16 anos e resolvi sair em julho último. A editora fica a dois quarteirões de onde caí. Pedro chegou rapidamente, pegamos um táxi e voamos para o hospital São Camilo. Passei a tarde fazendo exames e lá pelas 11h da noite estava em casa, com o alívio dos resultados que comprovaram que estava tudo bem, nada quebrado, mas com a dúvida incômoda do motivo que desabei, a poucas semanas de completar 45 anos. No almoço antes do meu desmaio, não fiz nada fora da rotina. Para matar a saudade de grandes amigos dos tempos da editora Trip, dividi uma mesa da Cantina Giggio com Messias (jornalista craque em música e autor de diversas capas que editamos juntos em Audi Magazine), e Vanina, designer de mão cheia com quem fiz edições maravilhosas de Revista Personnalité e que hoje se desdobra nas vendas das belas camisetas que cria para a marca própria Quatro Linhas. Na mesa ao lado, a redação da Revista Gol, publicação que tenho um carinho especial.

O designer, e querido amigo, Alex, com sua Harley Davidson 1973, customizada pelo Cycle Zombies

Brindamos a vida com uma jarra de suco de tangerina bem doce e um copão de caipirinha para três pessoas, cortesia especial do Toninho, que contou algumas passagens de sua mais recente viagem para a Itália, quando teve a chance de sentir como galopam os cavalos de uma Ferrari. Saí bem do almoço, fui ao banco com os amigos, entre eles, o designer Alex, outro baita profissional, gente fina ao extremo, que literalmente parou a rua dos Pinheiros com sua Harley customizada. Me despedi da turma e, antes de pegar o 856-R Socorro-Lapa para a casa, resolvi parar no bar da esquina da Teodoro com a Francisco Leitão para tomar um suco de melancia. Fazia um calor monumental.

Sentei em uma mesa do lado de fora, deixei as pernas na linha do sol. Tomei o suco e a visão começou a embaçar. Sensação horrível. Não sabia bem o que fazer. Não me sentia enjoado, só tonto. Levantei para pagar o suco, mal dei três passos e desabei. Daí pra frente você já sabe o que aconteceu. Meu coração acelera só de lembrar. Para acalmá-lo, respiro fundo e dou uma olhada na foto do Nico e do Felipe. Tudo certo, meus amores. Esse cabelo raspado na tampa da minha cabeça e a pequena costura na pele logo farão parte do passado. Saio agora para passar por outra consulta e novos exames. Prometo redobrar a atenção comigo mesmo, meus filhotes, para que possamos desfrutar numa boa dos meus próximos 45 anos, sem que as pessoas precisem me levantar do chão com a cabeça ensanguentada.

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Dez dias longe de casa e encontro quem não via há tempos: eu http://deciogalina.blogosfera.uol.com.br/2017/11/25/dez-dias-longe-de-casa-e-encontro-quem-nao-via-ha-tempos-eu/ http://deciogalina.blogosfera.uol.com.br/2017/11/25/dez-dias-longe-de-casa-e-encontro-quem-nao-via-ha-tempos-eu/#respond Sat, 25 Nov 2017 10:00:40 +0000 http://deciogalina.blogosfera.uol.com.br/?p=139  

Faz dez dias que estou longe de casa. Sigo na companhia de um fotógrafo, perambulando pelo Alentejo (bem além de Évora) em busca de boas histórias para uma reportagem que ganhará as páginas de uma revista de bordo em janeiro. A saudade de casa, do meu amor e dos meus dois moleques é temperada por outra sensação quase estranha: se preocupar “apenas” comigo mesmo. A paternidade é tão intensa que às vezes parece que desde sempre tive filhos – mal lembro como era sem.

E digo quase estranha, pois, quem tem filho sabe: no dia a dia, o foco principal é a rotina e as necessidades da filharada, a agenda deles, as reuniões na escola, pagar a pediatra, inventar maneiras de dar o antibiótico, ficar esperto na rematrícula, acompanhar a ansiedade alheia no grupo de whatsapp dos pais da classe, passear no Sesc Pompeia, procurar o pavão no Parque da Água Branca.

De repente, corta. Tudo isso dá espaço a um entra e sai do carro alugado, visitas a castelos, muros medievais, longos almoços regados a vinho na companhia desse querido povo português, casais de velhinhos em ruas brancas e amarelas que, de tão limpas, parecem que acabaram de ser pintadas. No fim do dia, o que sobra é só um “Décio”, cansado pra chuchu, mas apenas com coisas que fiz para mim e o planejamento do dia seguinte. Volto a ter nome. Deixo de ser “o pai” – confesso que não gosto muito dessa mania que acontece com certa frequência entre funcionários da escola e na aula de natação das crianças que é o hábito de ser chamado de “o pai”.

Sim, é uma delícia a facilidade atual de conseguir mandar uma mensagem de áudio ou mesmo falar por vídeo de forma gratuita para matar a falta da família. Mas considero importante valorizar a distância e sentir o peso de estar longe. Para conseguir sintonia perfeita com os cafundós do Alentejo, perto da fronteira da Espanha, em vilarejos de menos de mil habitantes, não dá para conversar por vídeo, no celular, com filho acompanhando a mãe no sacolão da Vila Romana. Há pouco tempo atrás, as viagens exigiam uma ruptura mais profunda com a vida que se leva em casa – talvez por isso, os retornos eram catarses ainda mais emocionantes.

Nesses dez dias de intensa produção jornalística no exterior, tive a chance de resgatar traços essenciais meus, de um tempo que não tinha filhos – nem pensava em ter (aliás, até os 30 anos, se tinha uma certeza na vida, era que jamais teria filhos… Comecei a mudar de ideia em um réveillon que viajamos, só eu e meu pai, para Torres del Paine – mas isso é assunto para outro dia). Tudo isso para dizer que a distância pode fortalecer laços familiares do cotidiano e que ela é excelente para termos certezas das principais escolhas que fazemos. No meu caso, mal consigo acabar de escrever esse texto sem enxugar os olhos. O que mais quero no mundo nesse momento é que chamem logo o meu voo para, muito em breve, pousar em casa e esmagar meus filhos e minha mulher como se não houvesse amanhã.

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A vergonha de um clássico histórico do nosso futebol com torcida única http://deciogalina.blogosfera.uol.com.br/2017/11/06/a-vergonha-de-um-classico-historico-do-nosso-futebol-com-torcida-unica/ http://deciogalina.blogosfera.uol.com.br/2017/11/06/a-vergonha-de-um-classico-historico-do-nosso-futebol-com-torcida-unica/#respond Mon, 06 Nov 2017 14:44:29 +0000 http://deciogalina.blogosfera.uol.com.br/?p=131

Em clássico com torcida única, Corinthians dominou o Itaquerão (Foto: Alexandre Schneider/Getty Images)

Uma das ladainhas que canso de repetir para os moleques é a importância de eles saberem resolver as discussões, brigas e confusões com os amigos sempre de forma autônoma, buscando ajuda de adultos (pais, professores, etc) só em último caso. Insisto que o diálogo é sempre o melhor caminho para o entendimento, mesmo quando a vida nos coloca em situações mais agudas. Em outras palavras, violência não resolve nada.

Isso posto é difícil conseguir explicar para uma criança como pode uma porção de adultos não conseguir chegar a um consenso para frequentar de forma pacífica um estádio de futebol junto com torcedores do time adversário. Essa tristeza de “torcida única” entre os grandes times de São Paulo acontece desde abril do ano passado, quando mais um torcedor (que nem estava na briga) morreu por causa de uma bala perdida em um embate entre rivais.

As autoridades comemoram que desde então, com “torcida única”, os índices de violência e confusão nos estádios durante os clássicos melhorara de forma significativa. Mas será que isso é motivo de celebração? Essa solução é algo como desistir de acreditar no diferencial do humano em relação aos outros animais que habitam a Terra: a capacidade de pensar, de ser racional, de entender as diferenças e não agir como um bando de guepardos famintos caçando na savana africana.

(Foto: Bruno Teixeira/Corinthians)

A vitória ontem do Corinthians sobre o Palmeiras, em um jogo espetacular, só não foi perfeita justamente porque só havia torcida do Timão de Itaquera. Como privar a torcida verde da Pompeia de uma partida tão importante como essa – ainda mais sendo o terceiro clássico no centenário do duelo mais esperado da cidade? O fato de o Corinthians ter vencido os três confrontos esse ano vai entrar para a história com essa mancha da “torcida única” – uma vergonha para uma espécie que se diz inteligente.

Pensando em uma mudança de postura das torcidas rivais no futuro, talvez caiba a nós, pais, educar a molecada de forma que se respeitem os adversários desde a infância. Essa coisa de encher a criança de camiseta de um time logo na maternidade pode não ser o melhor caminho. Digo isso com a experiência de uma família “rachada” entre os três principais times da cidade: Corinthians, Palmeiras e São Paulo – enquanto torço para o alvinegro de Parque São Jorge, a mãe do Felipe, meu caçula, é palmeirense doente, mesmo time que tem a torcida do meu pai; já a mãe do Nícolas, meu primogênito, é torcedora do Tricolor. Lidamos com as diferenças na base de muita brincadeira, deixando a decisão dos times que a molecada vai torcer mais para frente (embora o Nico já se mostre “naturalmente” corintiano… Ele está com 10 anos e basta um retrospecto rápido para ver tudo o que o Timão ganhou nesse período).

Independente dessa escolha, porém, acho que vale muito o esforço de todos para que essa situação seja alterada o quanto antes e, assim, as próximas gerações possam desfrutar desse programa básico que é ir a um estádio de futebol, assistir a um clássico e voltar vivo para casa.

 

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Sofri com o inesperado: levei bronca do meu pai por causa do blog http://deciogalina.blogosfera.uol.com.br/2017/11/03/sofri-com-o-inesperado-levei-bronca-do-meu-pai-por-causa-do-blog/ http://deciogalina.blogosfera.uol.com.br/2017/11/03/sofri-com-o-inesperado-levei-bronca-do-meu-pai-por-causa-do-blog/#respond Fri, 03 Nov 2017 16:50:46 +0000 http://deciogalina.blogosfera.uol.com.br/?p=124

Décio e o pai, Luiz, no almoço de família em que o colunista levou uma bronca inesperada por causa de um texto do blog (Foto: Arquivo Pessoal)

 

Mal comecei a escrever esses textos semanais para o UOL e já me deparei com uma questão familiar que não esperava. Ao definir que os temas principais do blog seriam “paternidade, viagem e bilhete único”, pensei que as questões e histórias relatadas trouxessem sempre a rotina com minha dupla de moleques Nícolas, de 10 anos, e Felipe, de 3. Talvez por ficar completamente focado nas demandas e nas dúvidas que a paternidade traz toda hora, às vezes a gente esquece óbvio: a nossa condição de filho. E foi em um almoço de família, bem festivo, que meu pai me chamou de canto, ainda com uma bexiga amarrada na cabeça (assim como eu) e me deu, digamos, uma bronca por causa de uma frase publicada nesse espaço.

O texto subiu há cerca de um mês, quando escrevi sobre como lidar com a tristeza do Nico diante à derrota esportiva na escola. No meio da conversa, ele citou que “não tem sorte” e eu rebati com alguns argumentos, um deles lembrando a “sorte que ele tem de nascer branco em um país racista como o nosso”. Só de reescrever a frase noto o quanto ela é infeliz, mas no contexto e no tom com que ela foi colocada, de fato, não carregava o preconceito que transmite recortada. Mesmo assim, depois que fechei o artigo, telefonei para meu amigo desde os tempos de “Notícias Populares” (fim dos anos de 1990) Djalma Campos, jornalista negro e ativista em questões raciais para perguntar a ele o que achava sobre a frase.

Só por ter demorado um pouco para formular a resposta, percebi que cutucava um vespeiro. Em seguida, ele me apoiou a publicar o texto assim mesmo, justamente para trazer a questão à tona e para debatermos como algumas frases do cotidiano podem carregar conotações que às vezes nem percebemos. No dia da publicação da coluna, logo cedo, recebo mensagem de Cristiane Tavares, jornalista e educadora que tenho o privilégio de sua amizade desde os tempos da faculdade Cásper Líbero (início dos anos de 1990). Cristiane, ou Crisalvina, como a chamo há décadas, é uma das pessoas mais inteligentes e de bom senso que conheço.

Falamos um pouco por telefone e, pelo jeito da voz dela, reparei o quanto estava chateada com a minha colocação. Cogitei tirar o texto do ar, mas, assim como o Djalma recomendou, ela disse que o artigo deveria permanecer no blog. Deixei. Daí para frente, as interações com o tal texto até que foram bem positivas, afinal, o foco era a saia justa em que me meti ao não saber lidar direito com o choro do meu primogênito derrotado. Por isso, achei que o assunto da frase preconceituosa já era página virada. Mas estava enganado.

No almoço de domingo, há algumas semanas na casa dos meus pais, em uma tarde superagradável dedicada às crianças da família em que todos riam com bexigas presas à cabeça, a questão voltou à tona. Luiz, meu pai, com quem tenho ótima relação, me levou até uma sala mais reservada, sentou à minha frente e, sem muitos rodeios, disse que não tinha gostado do tal texto e que por isso não havia compartilhado.

Que bomba. Meu pai envergonhado com algo que escrevi. Demorei a reagir. Mesmo já tendo discutido com duas pessoas queridas sobre a frase polêmica (sem grandes sofrimentos), percebi como a porrada é diferente quando vem do pai. Baixei a crista e me encolhi como se tivesse acabado chutar a bola e quebrado a janela da igreja, nossa vizinha na época em que morávamos no Brooklin e, com os amigos, fazíamos o diabo na paróquia. Fiquei sem resposta, pedi desculpas, prometi que ficaria mais atento.

Mais tarde, já em casa e sem a bexiga amarrada na cabeça, usei o episódio com o meu pai para refletir e azeitar a forma e o conteúdo das coisas que passo para os meus moleques. Desde então, estou ainda mais atento à postura de pai, não apenas pelo viés de quem ensina, mas, principalmente, com a atenção e o cuidado de quem é filho. Não quero bobear de novo, pois, olha, não é fácil levar bronca do pai.

PS: sobre a enorme repercussão e as centenas de comentários agressivos a respeito do meu texto mais recente, quando me coloquei contra a posse de arma para civis, peço o mínimo (ou, o óbvio): respeito. Lamentável a histeria de gente que defende o porte de arma para todos. A sociedade se fortalece quando pensamentos antagônicos são discutidos de forma decente e sem gritaria – um monte de exclamações e palavras escritas em letras maiúsculas não ajudam o debate. Claro que podemos pensar de forma diferente, o que não podemos é abrir mão do respeito e da civilidade. Que tipo de exemplo você quer deixar para seus filhos?

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